A Cannabis medicinal tem ganhado cada vez mais espaço nas conversas sobre saúde e qualidade de vida, mas o debate sobre a sua aplicação ainda enfrenta uma série de preconceitos.
Estudos mostram que o uso de medicamentos à base de Cannabis sativa pode ser benéfico para o tratamento de diferentes condições de saúde. Por isso, neste texto, explicamos em mais detalhes o que é a Cannabis medicinal, como ela se diferencia do uso recreativo e como é feito esse tratamento. Além disso, desmentimos alguns mitos sobre a substância.
O que é Cannabis medicinal?
A Cannabis medicinal é o uso da Cannabis sativa, popularmente conhecida como maconha, para tratar condições de saúde diversas. O uso medicinal da planta é feito de maneira controlada e a partir de substâncias como o canabidiol (CBD) e o tetrahidrocanabinol (THC).
A Organização Mundial da Saúde reconhece a importância da pesquisa sobre Cannabis medicinal e reforça a necessidade de orientação profissional sobre o tratamento. Além disso, diferentes pesquisas corroboram os efeitos positivos da Cannabis medicinal durante tratamentos médicos.
O potencial terapêutico da Cannabis medicinal tem sido investigado no tratamento de diferentes doenças, como epilepsia, Parkinson, ansiedade, fibromialgia, entre outras.
Além de reforçar o seu impacto positivo na saúde, as pesquisas apontam para a possibilidade de interação medicamentosa e baixos efeitos adversos, fazendo desta uma opção segura para os pacientes e com menos risco de abandono do tratamento.
O que significa Cannabis medicinal full spectrum?
O termo full spectrum é utilizado fora do Brasil para designar produtos que preservam em sua composição todos os compostos naturais da planta, incluindo canabinoides, terpenos (que dão aroma e podem ter propriedades terapêuticas) e flavonoides (com efeitos antioxidantes e anti-inflamatórios). Ou seja, são produtos com extrato de Cannabis sativa.
O extrato de Cannabis pode apresentar melhor desempenho clínico, com menores doses e menos efeitos adversos. Essa reação é chamada de “efeito entourage”, ou “efeito comitiva”. Embora seja uma ideia bem difundida, não existem evidências científicas que suportem a existência do “efeito entourage”.
É importante manter em mente, porém, que o uso do extrato de Cannabis deve ser acompanhado por um profissional médico, já que o THC pode induzir efeitos psicoativos. Além disso, é importante estar atento à dose e à formulação, garantindo que os padrões legais sejam seguidos.
Por fim, também importa mencionar que nem todo tratamento com a Cannabis medicinal demandará o uso do extrato. Produtos isolados (como o CBD isolado) também podem ser eficazes e usados no tratamento de diversas condições de saúde.
Qual a diferença entre a Cannabis medicinal e a recreativa?
A Cannabis sativa pode ser aplicada a tratamentos de saúde, como Cannabis medicinal, ou usada de forma recreativa. Embora os seus compostos sejam, em geral, os mesmos, há diferenças fundamentais nas suas quantidades e na maneira como esses usos acontecem.
Na tabela abaixo, você confere essas distinções de forma simplificada:
Uso medicinal | Uso recreativo |
– Tem como objetivo o tratamento de doenças e a melhora da qualidade de vida;
– A medicação é produzida em ambiente controlado, com testes de qualidade; – Pouca ou nenhuma presença de THC (psicoativo); – Acompanhado por profissionais de saúde; – Regulamentado pela ANVISA; – Legalizado; – Adquirido em farmácias a partir da apresentação de receita. |
– Tem como objetivo a alteração do estado mental para gerar relaxamento;
– Proibido no Brasil; adquirido por meio do comércio ilegal. – A planta é cultivada de forma artesanal, sem controle de qualidade; – O consumo pode envolver a mistura da Cannabis com outras substâncias, de maior risco; – Alta presença de THC; – Uso desregulado, sem acompanhamento profissional; – Maiores chances de efeitos adversos negativos; |
Entenda melhor o uso da Cannabis medicinal
O uso da Cannabis medicinal tem, antes de tudo, um compromisso com a segurança dos pacientes. Ele visa aliviar sintomas, controlar o avanço de doenças e promover uma melhor qualidade de vida para pessoas acometidas por condições de saúde que podem ser incapacitantes.
Por isso, esse tipo de produto é produzido em um ambiente controlado, com testes de qualidade, padronização de concentração e pureza. Também é prescrito por profissionais médicos.
A Cannabis medicinal também tem uma concentração maior de canabidiol (CBD), que não causa efeitos psicoativos. Além disso, quando há a presença do tetraidrocanabinol (THC), a sua dose é controlada para mitigar potenciais efeitos alucinógenos.
Por fim, a Cannabis medicinal é regulamentada pela ANVISA, por meio da RDC 327/2019, e só pode ser usada em contextos específicos. Desse modo, o seu uso é permitido e a sua aquisição pode ser feita em farmácias.
Quando o tratamento com Cannabis medicinal é indicado?
O tratamento com Cannabis já mostrou ser eficaz para diferentes condições de saúde. Ele pode ser indicado quando tratamentos tradicionais não são suficientes para reduzir sintomas e melhorar a qualidade de vida.
Em alguns casos, ele auxilia no controle de manifestações clínicas que afetam a qualidade de vida — como a insônia, náuseas e vômitos (intensificados pela quimioterapia, por exemplo), o estresse etc.
Em outros casos, estudos mostram que o uso da Cannabis medicinal é uma alternativa segura e com poucos efeitos adversos para reduzir sintomas.
Como é feito o tratamento com a Cannabis medicinal?
O tratamento com a Cannabis leva em consideração o histórico médico do paciente e potenciais contra indicações — como gravidez ou sintomas psicóticos. A partir de uma análise clínica, médico e paciente podem concluir que o uso da Cannabis pode ser uma alternativa eficaz.
Para o início do tratamento, porém, deve ser escolhida a formulação mais adequada — dentre os diferentes tipos de produtos de Cannabis — para aquela condição de saúde. Pode-se optar, então, pelo uso do CBD isolado, ou dos extratos de Cannabis com baixo teor de THC.
A dose inicial costuma ser baixa, havendo ajuste de forma gradual, conforme a resposta clínica e tolerância do paciente. O monitoramento de efeitos adversos também é fundamental e auxilia na decisão de aumentar ou não a dose do extrato.
A aquisição de produtos à base de Cannabis é feita mediante receita específica para produtos controlados. Ela pode ser feita tanto em farmácias que vendem os produtos aprovados pela ANVISA, quanto a partir da importação desses medicamentos — neste caso, mediante prescrição e laudo médico.
Importa lembrar que o tratamento com a Cannabis medicinal não causa dependência e pode ser interrompido, desde que com acompanhamento médico.
Como a Cannabis sativa atua no organismo?
A Cannabis atua no sistema endocanabinoide, que inclui os receptores (CB1 e CB2) ligados à proteína G — fundamentais para a resposta celular a estímulos externos e para a regulação de processos intracelulares.
Os receptores CB1 podem ser encontrados na medula e em terminais nervosos central e periféricos, no sistema cardiovascular, no trato intestinal e no fígado. Já os receptores CB2 predominam no sistema imunológico, mas também estão presentes em outros tecidos como ossos, cérebro e sistemas reprodutor, cardiovascular, e gastrointestinal.
O uso controlado de medicamentos à base de Cannabis sativa estimula a ativação desses receptores. O THC, por exemplo, uma das principais substâncias da planta, ao ligar-se ao CB1, apresenta alto potencial analgésico, mas, graças aos seus efeitos psicoativos, deve ter um uso limitado.
Já o CBD, principal substância presente no tratamento com Cannabis medicinal, é um modulador do sistema endocanabinoide e, por isso, tem propriedades antiepilépticas, analgésicas, anti-inflamatórias, e ansiolíticas.
3 verdades e 4 mentiras sobre a Cannabis medicinal
Confira, a seguir, alguns mitos e verdades sobre o uso da Cannabis medicinal no tratamento de diferentes condições clínicas.
A Cannabis medicinal demanda prescrição médica
Verdade. Só médicos podem prescrever produtos de Cannabis. No Brasil, é preciso seguir a regulamentação da ANVISA, e o paciente precisa de uma receita especial e do laudo médico para comprar ou importar os medicamentos.
A Cannabis medicinal também vicia
Mito. Mesmo nos casos em que a Cannabis medicinal inclui o THC, os riscos de dependência são muito baixos — menor do que o de outras substâncias como álcool ou nicotina. O CBD, por sua vez, não causa dependência.
Todo mundo pode usar Cannabis medicinal
Mito. Cada organismo responde de uma forma ao tratamento com a Cannabis medicinal, de modo que ela pode não ser indicada para alguns casos. Daí a importância do acompanhamento médico.
Ajuda a aliviar sintomas de ansiedade
Verdade. A Cannabis medicinal já se mostrou efetiva no tratamento da ansiedade auxiliando na redução dos sintomas.
A Cannabis medicinal substitui os tratamentos tradicionais
Mito. O uso de medicamentos à base de Cannabis é, na maior parte dos casos, um tratamento auxiliar, que não substitui os tratamentos convencionais. Além disso, os níveis de eficácia podem variar entre pacientes.
A Cannabis mata neurônios e causa psicose
Mito. Quando o tratamento é feito com acompanhamento médico e formulações adequadas, ele é 100% seguro e não causa lesões cerebrais, nem psicose.
No entanto, o uso indiscriminado do THC (como no uso recreativo da planta), principalmente em adolescentes e sem controle médico, pode aumentar o risco de transtornos psiquiátricos.
A Cannabis medicinal melhora a qualidade de vida
Verdade. Diferentes estudos já mostraram a efetividade dos tratamentos com Cannabis na melhora da qualidade de vida, sobretudo para pacientes com dor crônica, epilepsia, ansiedade ou insônia. Além disso, em alguns casos, ele possibilita a redução de outros medicamentos, com mais efeitos adversos.